Mais da metade dos brasileiros já sofreu assédio moral no ambiente de trabalho
- Renata Duffles Andrade Amorim

- 23 de jan. de 2020
- 5 min de leitura
Dentre os entrevistados, 52% disseram já ter sofrido assédio moral por parte do superior hierárquico e apenas 12% reportou o ocorrido para a direção ou RH da empresa.

Grávida do seu segundo filho, L., de 26 anos, sentiu a sua produtividade cair com o avanço da gravidez. Para concluir os projetos com os quais havia se comprometido, procurou um profissional para trabalhar em conjunto, mas, segundo ela, nunca chegou a ser uma parceria.
“Ele combinava comigo divisão de tarefas e prazos, mas fazia como bem entendia”. L. relata que as datas de entrega não foram cumpridas conforme o acordado e que ela chegou a ser acusada de influenciar o cliente, para que a peça feita por ele não fosse escolhida. Quando a situação se tornou insustentável, L. o tirou do trabalho: “Ele sumiu por um mês, ameaçando não entregar nada do que havíamos feito nos últimos. Tive que acionar uma terceira pessoa para saber seu paradeiro. Ele mentiu e entregou o material incompleto”. Muitos dos relatos só foram colhidos após a promessa de que suas identidades não fossem reveladas, por medo de retaliação das empresas e um possível prejuízo em suas vidas profissionais. Publicado com exclusividade pela BBC Brasil, a pesquisa feita pelo site Vagas.com indica que este é um problema recorrente no mercado de trabalho brasileiro: apenas 12% dos entrevistados que sofreram assédio resolveram denunciar o agressor. Quando questionadas sobre o motivo pelo qual não denunciaram, 40% das pessoas ouvidas afirmaram que foi por medo de perder o emprego e, 32%, por medo de sofrer algum tipo de represália. No entanto, uma parcela pequena não denunciou por sentir vergonha ou por receio de acharem que era culpa da vítima. “Já me pediram para trabalhar sem necessidade, por pura vaidade do sócio. Para perder o final de semana, dizendo: ‘É que com fulano eu posso contar, difícil não poder contar com você’.”, diz G., advogada de 30 anos, que se sentia diminuída com esse tipo de pedido. Quando estagiária, lembra que teve um documento destruído porque o espaçamento entre as linhas estava incorreto. “Ela assinou e comemorou o cumprimento do prazo, mas quando voltou para o escritório, rasgou a petição na minha frente e disse que nunca poderia me confiar um trabalho se eu não fosse capaz de acertar 'a porra da formatação'" ‘Já pratiquei assédio moral’ Conforme a cartilha de prevenção ao assédio moral do Tribunal Superior do Trabalho (TST), este pode ser caracterizado como “uma forma de violência que tem como objetivo desestabilizar emocional e profissionalmente o indivíduo e pode ocorrer por meio de ações diretas (acusações, insultos, gritos, humilhações públicas) e indiretas (propagação de boatos, isolamento, recusa na comunicação, fofocas e exclusão social)”. “Eu vi um dos tópicos colocados e percebi que já pratiquei assédio moral, no sentido de divulgar boatos e inventar uma história”, disse G. depois de ver tal definição dada pelo TST. No caso a que se refere, ela conta que era muito próxima do setor de RH do local onde trabalhava e ficou sabendo que duas pessoas seriam demitidas, sendo que uma delas tinha o mesmo nome de uma menina que era seu desafeto. ”Espalhei a história para as duas pessoas que trabalhavam comigo, sendo que uma delas era muito fofoqueira. Uma hora chegou no ouvido da menina que ela iria sair e isso não necessariamente era verdade.” G. conta que após a repercussão do boato, sentiu-se arrependida pelo mal-estar causado, mas não houve nenhum movimento do RH para amenizar a situação ou buscar uma reconciliação entre ela e a vítima. ‘Não era minha atribuição’ O perfil oficial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Instagram publicou uma imagem informativa na qual afirma que “receber tarefas inferiores ou diferentes da sua atribuição” também é configurado assédio moral. Terapeuta Ocupacional de um conhecido hospital da região de São Paulo, C. de 28 anos conta que sua chefe pediu que ela participasse de um protocolo que não se comunicava com suas funções dentro do hospital. “Eu falei que se eu participasse teria consequências para os pacientes que dependiam do meu atendimento,”. Em reunião de equipe, C. então negou a participação, mas a atitude não foi muito bem aceita. Mais tarde, relata que sua chefe marcou uma reunião e informou que era inadmissível a negativa. Com isso, ela relata ter se sentido compelida a participar do processo; que não era exatamente uma sugestão. “Eles só decidiram que não tinha necessidade do envolvimento da Terapeuta Ocupacional no protocolo depois que eu pedi demissão”. Investidas sexuais Em sua pesquisa, o Vagas.com encaminhou um questionário para 70 mil profissionais da sua base de dados. De acordo com a BBC, o assédio moral foi definido como “ser motivo de piadas e chacotas, ofensas, agressões verbais ou gritos constantes, gerando humilhação ou constrangimento individual ou coletivo” enquanto o assédio sexual se caracteriza por “receber investidas com tom sexual - cantadas, olhares abusivos, propostas indecorosas”. De acordo com o resultado, 57% das pessoas responderam que sofreram algum tipo de assédio, sendo 47% moral e 10% sexual. A. tem 57 anos e foi funcionário graduado em uma Secretaria de Estado, sendo o terceiro na escala de comando, ou seja, tinha poder para indicar pessoas para cargos e até para remover pessoas de estrutura de trabalho. Ele afirma que uma funcionária- indiretamente ligada a sua equipe - frequentemente o chamava de Dr. Espetáculo. “Certa vez, ela chegou a passar a mão em minhas nádegas”. As pesquisas mostram que as mulheres sofrem quase quatro vezes mais assédio sexual que os homens, uma proporção de 80% e 20%, respectivamente. Já o assédio moral é consideravelmente equilibrado, homens sofrendo 48% contra 52% das mulheres. Esse não foi o único relato envolvendo tentativas de avanços sexuais em ambiente de trabalho. Dez anos atrás, P. era estagiária na indústria farmacêutica e se sentia incomodada pelo dono da empresa. “Ele ficava me perseguindo, me chamando para jantar, fazer elogios, coisas do tipo”. Quando contou para sua chefe, soube que a pessoa que ocupava o cargo antes dela chegou a receber oferta de joias. “Todo mundo sabia e ninguém fazia nada. O que a minha chefe fazia comigo era um combinado: quando ele aparecia na sala que eu dividia com ela, e eu estava em outro setor da empresa, ela me avisava pelo celular e falava para enrolar um pouco mais para aparecer”. No caminho da lei De acordo com o site da Câmara dos Deputados, o plenário aprovou há cerca de um ano o projeto de lei 4742/01, que tipifica, no Código Penal, o crime de assédio moral no ambiente de trabalho. Apresentada em maio de 2001, atualmente a proposta tramita em regime de urgência e aguarda apreciação pelo Senado Federal. A relatora é a deputada Margarete Coelho (PP-PI), e segundo a emenda “o crime será configurado quando alguém ofender reiteradamente a dignidade de outro, causando-lhe dano ou sofrimento físico ou mental no exercício de emprego, cargo ou função”. No que diz respeito a pena, esta será de detenção de um a dois anos e multa, quando a vítima for menor de 18 anos haverá aumento de pena de um terço. Porém, a vítima deverá representar contra o ofendido e não poderá se retratar, ou seja, a pessoa não poderá desistir.







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